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Por que reivindicar o direito ao corpo na Marcha das Vadias?

As imagens dizem muito. Corpos expostos, pernas, barrigas e peitos de fora. Dizeres que reivindicam o direito ao próprio corpo. O uso dos nossos corpos para o nosso prazer, o direito à sexualidade, o direito a ser tocada por outr@ apenas com consentimento, o direito de não ter meu corpo violentado, machucado, invadido. O corpo não é um pedaço de carne, nem um pedaço de gente, não é uma parte, mas o todo. Não queremos discursos e imposições sobre nossos corpos.  Estes, portanto, não devem ser moldados, regrados, estereotipados, objetificados. Então, nos despimos para nos apropriarmos dos nossos corpos. Somos contra a nudez mercantilizada, a venda dos corpos. Mas, lutamos pelo direito a nos desnudarmos sem que isso justifique qualquer forma de violência a nossos corpos.

Foto: Rayane Noronha               Foto: Lívia Mota                    Foto: Rayane Noronha                  Foto: Lorena Bruschi

Nas imagens da marcha das vadias, vemos, então, os corpos expostos, e a eles associadas frases de impacto sobre o próprio corpo. Quase como uma metalinguagem. O uso do corpo como um meio de comunicação, é pelo corpo, para o corpo e por meio do corpo que afirmamos nossas reivindicações. Seja com estapados dizeres, seja pela simples exposição de nossos corpos.

“Mas então, qual é a diferença entre uma fotografia da playboy e as fotografias da campanha da marcha? Se vocês são contra as objetificações do corpo da mulher, porque tiraram a roupa?”

Somente ao olhar a imagem é possível perceber a diferença.

Essa imagem foi produzida pela revista playboy, que é uma empresa que lucra com a venda de revistas de mulheres nuas. Sem moralismos, a playboy expõe corpos fictícios (em geral corpos montados no photoshop – peito de uma com barriga de outra) dentro do padrão do que se considera um corpo sexy, erótico, fantasiado pelo público masculino, ou seja, um corpo que está ali servindo ao prazer do homem, mulheres posam nuas em posições sexualizadas, e a imagem está exposta ao deleite dos olhares masculinos.

Já a outra imagem foi produzida pelo Coletivo feminista Marcha das Vadias DF. Foi construída no intuito de romper estereótipos do feminismo e mostrar pelo que estamos lutando. Nada esta sendo vendido, a proposta é passar uma idéia. O “tirar o sutiã” simboliza a liberdade da mulher, o direito a mostrar sim o corpo, mas, desta vez, não para o prazer masculino. Às vezes para o nosso próprio prazer. Às vezes para reivindicar uma situação e um espaço que nos é negado. Às vezes para dizer que não nos enquadramos nos padrões ditados de beleza. Às vezes para dizer que não queremos ter pudor e podemos mostrar nossos peitos. O que está em jogo não é o prazer e o desejo do homem, mas a liberdade da mulher.
Afinal, o sutiã simboliza o que não pode ser mostrado, o que é proibido, o que é fetichizado. O “não mostrar” já evidencia uma cena erotizada. O que está oculto e queremos ver. O que não podemos, mas queremos.
Assim são as capas das playboys. Você compra a revista e ao folhear você vai despindo a mulher. A construção do desejo se dá na capa, quando os olhos querem ver além do que é mostrado, a vontade de saber, de despir, de olhar o que está, até então, proibido.
E o sutiã as vezes serve como elemento de fetiche, para ocultar os seios, mas evidenciar suas curvas. Serve também para moldar, levantar, aumentar, e padronizar os peitos. Deixando-os nos mesmos moldes e formatos impostos pelo sutiã. Tudo bem, podemos querer isso. Pois queremos também nos sentir sensuais. Mas sabemos que essa sensualidade vem acompanhada de padrões impostos.

Ao mesmo tempo em que o sutiã representa uma repressão e imposição de valores a nossos peitos, mostrá-los na marcha das vadias pode significar “despir-se”, “despudorar-se”. Sim, é um elemento de fetiche, mas podemos fetichizar, sensualizar e erotizar nossos próprios corpos, não? E, mais uma vez, vamos a marcha cheias de elementos de fetiches: meia arrastão, cinta-liga, sutiã, rendas, saltos, batom vermelho, mini saia. E os usamos para dizer que podemos ser sensuais, podemos ter prazer, podemos ser vadias, podemos ser tudo que quisermos. E o uso desses elementos não justifica qualquer atitude desrespeitosa a nós e a nossos corpos.

Então o peitaço significa também um rompimento aos padrões. Mostramos
nossos peitos como realmente são. Sem photoshop. Pequenos, caídos, com estrias, grandes, duros, moles, aureolas grandes, pequenas. São nossos peitos, parte de nosso corpo. E somos múltiplas, somos diversas. Nossos corpos também o são. Diversidades de peitos e de vaginas! Sem padrões!


Lembro de varias meninas dizendo “o que meu pai vai pensar?”. Sim, nossos peitos ainda nãos nos pertencem. Afinal, mostrá-los passa pelo crivo de nossos pais, namorados, e toda a sociedade, que nos impõe como devemos nos comportar. Nossos corpos ainda não nos pertencem. Mais reivindicamos o direito de mostrá-los, de andar livremente com ou sem blusa, de exercer nossa autonomia e liberdade para exibir o corpo como quisermos. Aos homens não lhes é negado esse direito. Eles podem andar sem blusa e ninguém vai estuprá-los. Não por isso. Como já citei em outro post, nossa sociedade define quais partes do corpo da mulheres podem ou não ser mostradas, define, inclusive, quais partes serão erotizadas. E o peito está dentro dessa definição. Não podemos mostrá-los nos diz a sociedade! Mas nós não precisamos aceitar essa regra! O simbolismo também é esse. Dizer: eu dito as regras do meu corpo e não a sociedade. E, por isso, o peitaço significa um momento de empoderamento, de força, de união, de solidariedade, um momento feminista, um ato político.

Muitas pessoas questionaram a foto da campanha. E se for um peito dentro dos padrões estéticos? Não podemos reivindicar o direito ao corpo e a nossa liberdade de mostrá-los? Ah sim, então, se temos um corpo dentro dos padrões estéticos, devemos objetificá-los ao prazer dos outros, à comercialização?

Ela não tem o direito a reivindicar o corpo dela? Ela não sofre repressões e opressões? Mesmo as mulheres que correspondem aos padrões estéticos sofrem violências simbólicas e opressões de gênero. Não devemos nos dividir, somos mulheres. E todas sofremos de uma forma ou de outra. Reproduzo um trecho do excelentepost sobre isso: “o fato de estarmos sempre sob olhares que nos comparam com outras mulheres, essas nos fazendo sentir melhores ou piores na medida em que se enquadram mais ou menos nos padrões que nos martirizamos por não atingir, cria um incômodo entre as próprias mulheres. comparamo-nos umas às outras, e nos vemos oprimidas diante de nossas próprias companheiras”.

  
Por fim, algumas imagens reivindicam o direito ao corpo e denunciam as opressões que sofrem diariamente nossos corpos, ou seja, que sofremos. Porque corpo e sujeito são um só. Ambas imagens foram inspiradas nas idéias da Marcha das Vadias. A segunda foi, inclusive, uma manifestação artística de chamado para a marcha. Corpos interditados. Corpos estes que foram reprimidos, limitados, proibidos, restritos, calados, domesticados. Interditados para agir, se expressar, se manifestar, se posicionar, ocupar um espaço que historicamente não lhes foi destinado. Corpos estes que vão agora às ruas. Corpos subversivos, que pedem liberdade.
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Texto escrito por Julia Zamboni para o blog Audácia das Chicas. Disponível em: http://www.audaciadaschicas.com/2012/06/por-que-reivindicar-o-direito-ao-corpo.html
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