Carta Manifesto da Marcha das Vadias de Brasília – Por que marchamos?

Em Brasília, marchamos porque apenas nos primeiros cinco meses desse ano, foram 283 casos registrados de mulheres estupradas, uma média de duas mulheres estupradas por dia, e sabemos que ainda há várias mulheres e meninas abusadas cujos casos desconhecemos; marchamos porque muitas de nós dependemos do precário sistema de transporte público do Distrito Federal, que nos obriga a andar longas distâncias sem qualquer segurança ou iluminação para proteger as várias mulheres que são violentadas ao longo desses caminhos.

No Brasil, marchamos porque aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano, e mesmo assim nossa sociedade acha graça quando um humorista faz piada sobre estupro, chegando ao cúmulo de dizer que homens que estupram mulheres feias não merecem cadeia, mas um abraço; marchamos porque nos colocam rebolativas e caladas como mero pano de fundo em programas de TV nas tardes de domingo e utilizam nossa imagem semi-nua para vender cerveja, vendendo a nós mesmas como mero objeto de prazer e consumo dos homens; marchamos porque vivemos em uma cultura patriarcal que aciona diversos dispositivos para reprimir a sexualidade da mulher, nos dividindo em “santas” e “putas”, e muitas mulheres que denunciam estupro são acusadas de terem procurado a violência pela forma como se comportam ou pela forma como estavam vestidas; marchamos porque a mesma sociedade que explora a publicização de nossos corpos voltada ao prazer masculino se escandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar nossas filhas e filhos; marchamos porque durante séculos as mulheres negras escravizadas foram estupradas pelos senhores, porque hoje empregadas domésticas são estupradas pelos patrões e porque todas as mulheres, de todas as idades e classes sociais, sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo da vida, seja simbólica, psicológica, física ou sexual.

No mundo, marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos sem o nosso consentimento; marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pela possibilidade de sermos estupradas, quando são os homens que deveriam ser ensinados a não estuprar; marchamos porque mulheres lésbicas de vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de homens que se acham no direito de puni-las para corrigir o que consideram um desvio sexual; marchamos porque ontem um pai abusou sexualmente de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e, nesse momento, várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por homens aos quais elas não deram permissão para fazê-lo, e todas choramos porque sentimos que não podemos fazer nada por nossas irmãs agredidas e mortas diariamente. Mas podemos.

Já fomos chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porque transamosantes do casamento, já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a um homem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas à noite e fomos estupradas, já fomos chamadas de vadias porque ficamos bêbadas e sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes, por um ou vários homens ao mesmo tempo, já fomos chamadas de vadias quando torturadas e curradas durante a Ditadura Militar. Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.

Mas, hoje, marchamos para dizer que não aceitaremos palavras e ações utilizadas para nos agredir enquanto mulheres. Se, na nossa sociedade machista, algumas são consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS. E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres! Somos livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa sexualidade e aos nossos corpos. Estar no comando de nossa vida sexual não significa que estamos nos abrindo para uma expectativa de violência, e por isso somos solidárias a todas as mulheres estupradas em qualquer circunstância, porque tiveram seus corpos invadidos, porque foram agredidas e humilhadas, tiveram sua dignidade destroçada e muitas vezes foram culpadas por isso. O direito a uma vida livre de violência é um dos direitos mais básicos de toda mulher, e é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hoje e marcharemos até que todas sejamos livres.

Somos todas as mulheres do mundo! Mães, filhas, avós, putas, santas, vadias…todas merecemos respeito!

 

7 pensamentos sobre “Carta Manifesto da Marcha das Vadias de Brasília – Por que marchamos?

  1. Laís disse:

    Concordo plenamente, só acho que as mulheres são quem escolhem ficar como plano de fundo de um programa aos domingos semi-nuas ou então fazer propaganda de cerveja para homens. Essa marcha, além de ser para homens, é, também, quase que acima de tudo, para as próprias mulheres se conscientizarem que são elas também, não em caso de estupro, que fazem a imagem.

  2. Aline disse:

    Concordo com a carta,a credito que o fato das mulheres se vestirem com roupas curtas, blusas decotadas, não da o direito à um homem chegar a estrupa-las, isso não é justificativa pra homens agirem de forma brutal e arcaica. Acredito que a atitude das pessoas que foram a marcha é de extrema importância, já que não devemos nos calar ao ver algo errado acontecendo… Obs.: não sei se estive mal informada, mas a marcha poderia ter cido mais divulgada. Se eu soubesse que a marcha aconteceria, eu teria participado!

  3. Mariana Castellani disse:

    Aline, a marcha ainda não aconteceu. Será sábado dia 18 de junho 12h concentração na frente do conjunto nacional!

  4. Carta aberta aos comediantes brasileiros: “… alguns temas são mais sensíveis do que outros, e não adianta reclamar do patrulhamento do politicamente correto, porque os tabus sempre existiram e vão continuar a existir. Por mais que a graça para uns dependa muitas vezes da desgraça de outros (…) a arte do insulto consiste em dosar essa agressividade inerente ao humor”.

    Carta aberta aos comediantes brasileiros

  5. karla disse:

    Gostaria que me confirmassem a realização da marcha no RJ dia 2 de julho. a página do facebook sumiu e estou preocupada que tenha sido cancelada.

  6. […] arma política, que pode ser extremamente útil para afirmação de cidadania. Exemplo disso foi a Marcha das Vadias, que ocorreu em Brasília no dia 18 de junho. Essa marcha mostra que é possível utilizar-se do […]

  7. […] arma política, que pode ser extremamente útil para afirmação de cidadania. Exemplo disso foi a Marcha das Vadias, que ocorreu em Brasília no dia 18 de junho. Essa marcha mostra que é possível utilizar-se do […]

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